Um governo que não sabe contar: 9 anos 4 meses 2 dias, ou menos. – Sinan Eden

Há poucas profissões que ainda dão sentido às vidas de quem trabalha e produzem algo útil à sociedade. Digo isto não só como doutorado em matemática, mas também como trabalhador de call centers. Se trabalhares em consultadoria ou num banco, sei que vais entender do que estou a falar. E ainda mais se trabalhares na setor publicitário ou na indústria militar (ou petrolífera, que em última análise é mais ou menos a mesma coisa).

Há professores que trabalharam durante 9 anos, 4 meses e 2 dias mas recebem salários como se tivessem entrado na escola ontem.

O congelamento das carreiras é algo que durante sete anos não consegui compreender. Estudas, entras no trabalho, assinas um contrato com várias condições sobre salários, pensões e a progressão da tua carreira e depois, um dia, o teu patrão anuncia uma nova regra e muda o teu contrato unilateralmente. É uma coisa impossível de imaginar, até na Turquia. (Lá, para se atingir esta situação, ou tem que se chantagear o trabalhador para assinar novo contrato, ou simplesmente que demitir quem não assinar – quem não assina de certeza deve ter alguma ligação terrorista, certo?) Aplicar o roubo dos direitos retroativamente foi tão estranho para mim que, nos primeiros cinco anos, neguei a possibilidade de isto ter acontecido num país europeu. Mesmo falando com amig@s professores, estive a dizer-lhes que isto não podia ser, que provavelmente tinham percebido mal, etc. Uma estupidez minha, um derivado duma estupidez de vários governos.

Enfim, o Ministro da Educação não sabe contar nem contabilizar. Nove anos, quatro meses, dois dias. É para contar e contabilizar, não é para negar ou negociar.

Curioso, como os números e o negacionismo dos números une os vários governos e vários assuntos.

Para evitar um caos climático irreversível, temos que descarbonizar as nossas economias em 20 anos. Para ter zero emissões em 20 anos, os governos têm de agir agora (aliás, anteontem) e começar a reduzir as suas emissões radicalmente. Portugal, por exemplo, tem que cortar emissões nacionais em 60-70% em 15 anos.

E que diz o governo sobre isto? Em primeiro lugar, no seu Roteiro para a Neutralidade Carbónica diz que vai reduzir as emissões em 11-24% em vez de 60-70%. Depois, quer fazer mais furos de petróleo e gás, quer construir um gasoduto de 160 km (Guarda-Bragança), e faz acordos com Trump para comprar gás de fracking aos EUA.

Falamos muito (às vezes demasiado) utilizando números na luta pela justiça climática: Temos que deixar 80% dos combustíveis fósseis no solo. As infraestruturas de combustíveis fósseis já existentes são mais do que suficientes para ultrapassar os 2ºC de aquecimento global; por isso não se pode iniciar nenhuma nova infraestrutura de combustíveis fósseis. Para estar de acordo com estes números, o governo deve criar um Serviço Nacional do Clima e empregar 100 mil trabalhadores para lançar uma transição energética justa e rápida.

Até Guterres disse que faltam dois anos para travarmos a crise climática. O Ministro do Ambiente não sabe fazer contas, a Ministra do Mar não sabe fazer contas, o Primeiro-Ministro não sabe fazer contas. Em solidariedade, o Ministro da Educação também não sabe fazer contas, e não valoriza o trabalho d@s professor@s – se calhar com medo de que estes formem uma nova geração de dirigentes que saiba fazer contas?

Faltam-nos 2 anos para mudar de rumo e construir uma sociedade que consegue contar até 9 anos, 4 meses e 2 dias.

Precisamos urgentemente de nos unirmos para pararmos com esta comédia, antes que ela se torne uma tragédia permanente.

Quem vai parar o furo, e como? – Sinan Eden

§1. Existe um consenso dentro da classe dominante sobre o furo de petróleo ao largo de Aljezur, marcado para setembro pelo consórcio ENI/GALP. Nas últimas duas semanas (por ordem crescente de poder político), o presidente da Agência Portuguesa do Ambiente, o Ministro do Ambiente, o Secretário de Estado da Energia, o Ministro da Economia, o Ministro dos Negócios Estrangeiros, o Primeiro Ministro, o Presidente da República e a ENI/GALP afirmaram que ia acontecer o furo este setembro.

Nos últimos meses, aliás, anos, não só os movimentos cívicos por um Portugal livre de petróleo mas também os autarcas, as assembleias municipais, populações locais, regiões de turismo, vários partidos políticos no Parlamento, empresas hoteleiras, surfistas, escolas, pescadores, académicos, artistas, estudantes … quase toda a gente se pronunciou contra este furo.marcha06

§2. Quem ficou revoltado com esta situação está no lado certo da história. Mas quem fica surpreendido com esta situação se calhar ainda não compreendeu o tamanho do desafio com que nos defrontamos.

Grande parte desta desilusão baseia-se na opinião de que estes governantes estão a falhar em representar-nos. Isto é um erro. Eles estão a fazer um excelente trabalho em representar os interesses dos capitalistas que pretendem representar.

§3. O governo representa quem representa. O Ministro dos Negócios Estrangeiros chegou a dizer que pretendem “honrar compromissos contratuais”. Enquanto eles honram as corporações e o capitalismo, nós devemos honrar o planeta.

O essencial é uma questão de perspetiva. Quem vai parar o furo?

§4. Se toda a gente estiver sensibilizada sobre o tema e se mostrarmos aos governantes que ninguém quer este furo, o furo vai avançar.

Na verdade, tudo isso já aconteceu (ver §1.) e o furo avançou.

O problema não é o(s) governo(s) ainda não ter(em) entendido que a população não quer este furo. O problema é o(s) governo(s) ter(em) entendido muito bem que as empresas querem este furo.

§5. A perspetiva que o movimento pela justiça climática teve sobre a farsa do Acordo de Paris é a certa: Somos nós aqueles de quem estávamos à espera.

Ninguém vai salvar o planeta em nosso nome; nós temos que tomar o assunto nas nossas mãos. Nós não vamos convencê-los pela Razão de que se deve parar o furo. A única hipótese que temos é forçá-los a fazer um compromisso tático (como fizeram com os outros contratos) a fim de manterem a legitimidade social para mandar.41509663764_a5cf381c34_o

§6. A única hipótese que temos é aceitar a declaração de guerra deles, e responder com a devida diligência.

As palavras-chave aqui são rotina (business-as-usual) e rutura (disruption).

O que está a queimar o planeta não são decisões excecionalmente catastróficas. O que está a empurrar-nos para o abismo do caos climático são decisões super-normais do capitalismo. Eles não estão a fazer nada de diferente com este furo agora, estão a simplesmente a continuar a rotina do negócio. O que aqui está em causa é todo o sistema socioeconómico.

§7. Todos os processos habituais para a manutenção e reprodução do sistema são alvos para ação direta. Conferências, reuniões, debates, eventos públicos, tudo que normalmente aconteceria de forma suave pode ser interrompido por descontentamento social. Todos os lugares por que estes ministros e estas empresas passem devem ser alvos de contestação popular.

Nós somos o risco de investimento. Nós somos o risco para o status quo. Sem ilusões sobre como o capitalismo e a sua democracia funcionam.

Nós podemos parar o furo. Junta-te à luta, precisamos de ti para um planeta habitável.palestra5

Tactics and strategies to achieve a just energy transition – Sinan Eden

This text is not about climate science nor about energy transition in general. But to start with, it is important to clarify three points:

  • We urgently need an energy transition.
  • The window of action is closing
  • We have few years left to fundamentally change our energy systems.

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There is no energy transition currently in course, whether just or unjust. If everything goes well with the government commitments, the marvellous increase in modern renewable energies would reach 20% of world energy supply in 2035. Despite all the green marketing, the truth is that the governments are not shutting down fossil fuel infrastructures, and they continue planning new ones.

Understanding that there is no no transition in course is important, because whoever says that it’s happening says it for purely ideological reasons, as it is not based on facts. The narrative about a possible green growth in which capitalist markets and a livable planet would be compatible not only demobilizes the people but also creates an ambition gap in social movements.

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Which takes me to my third point: we have to make this transition happen. What is at stake is not a choice between just and unjust transition, but between a just transition and climate chaos.

And to make this happen, we have to make climate change a problem of the people. This is the topic I will focus on in this text: how to make the struggle for energy transition a concrete struggle in the lives of the people.

I will further focus on workers and unions.

Forms of union intervention

There are two forms of union intervention for energy transition: Firstly, as whole workers, that is, as member of the working class and not just employees of a company. This kind of intervention is quite common all around the world.

This is a subject which is directly related to the lives of the workers and the communities, and the unions already have a long history of social and political intervention beyond the conflicts within the working places. Some well known examples are anti-war movements, struggles against privatizations, gender equality fights and the recent mobilizations against free trade agreements.

Union struggles also include a strong component of influencing and challenging government policies, as in the cases of anti-austerity movements and annual budget negotiations. In this case too, the union intervention goes beyond the immediate conflicts inside the working places and assumes a general vision on the direction the society will take.

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Secondly, there are workers in frontline sectors of climate crisis. Energy and transport are key sectors for the energy transition, where some jobs will be lost and many many more will be created. Particularly in public transport and renewable energies, studies predict multiple times more jobs than the fossil fuel industry offers. On the other hand, the workers in the forestry, agriculture, public health and firefighting are those who directly confront the impact of climate change. The labour organisations of these workers are essential to alert the society about the right path to take.

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Climate Jobs as a strategy

To articulate social and climate justice, we have the Climate Jobs Campaign which unites environmentalist organisations and unions. We see the campaign not just as what should happen, but as what we will make happen.

The campaign, as a strategy, has a bunch of strong sides:

  • It is a concrete, positive proposal, to which we would say “Yes”, which puts us in the offensive position (rather than defensive).
  • It talks about just transition and includes workers and communities which at the moment depend on fossil fuel industry.
  • It unites environmentalists and workers, breaking the false dilemma between jobs and sustainability.
  • It demands thousands of new and decent jobs.
  • It represents a real solution to the climate crisis.
  • It sees climate as a common wealth and assumes a “public service” vision.

Tactics and experiences

With theses strategic advantages, we now pass to examples of successful alliances and union interventions around the world.

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As in the first section, I will classify the examples as whole worker interventions and frontline worker interventions.

  • In the Basque Country, the unions addressed fracking not only as workers but also defenders of the community. Thus, they led the fight against fracking together with various other organizations, and had quite a few victories.
  • In France, the unions of the platform Emplois-Climat (Jobs-Climate) mobilized against the new labour law proposals which was to make the work conditions even more precarious. Thus, the unions used the campaign as a proposal against precarity. In Portugal too, the 2nd National Gathering for Climate Justice had CGTP-IN and the Precarious Workers’ Association in a session on labour precariousness and planetary precariousness.
  • In Norway, unions and environmentalists unite for the 1st of May march. The Portuguese climate jobs campaign was indeed launched on a 1st of May protest 2016.
  • In the UK, the Public and Commercial Services Union has a very active role in the One Million Climate Jobs campaign. The unions defend a National Climate Service, which would include climate jobs but also the whole social service organization to maintain these.
  • In New York, after the Sandy hurricane, the movements did not allow the issue to disappear from public agenda. More recently, unions signed an agreement with the governor to create thousands of climate jobs in the construction and building sector.
  • All around the world, the Climate Jobs campaign participate actively in the climate marches.
  • In Norway, the Bridge to the Future coalition prepared a pledge for the candidates in the general elections, in which one of the core demands was the creation of climate jobs.

After these cases where environmentalists and unionists used the campaign as a tool for intervention in various areas, let us now move on to the frontlines.

  • In the United Kingdom the One Million Climate Jobs campaign gained huge visibility when Vestas wanted to close down a series of wind turbines. The workers and activists called for an occupation of the turbines, to defend the work and the climate at the same time. In many parts of the world, fights for public transport could translate into such alliances.
  • In South Africa, coal miners involved in the One Million Climate Jobs campaign reject political blackmails against their employment. Instead of fighting against environmentalists, the unions support and defend the campaign as the solution for a just transition, and they thus have the support of the climate movement too.
  • In the United Kingdom, whenever a huge storm hits the land and several cities are affected by floods, the firefighters union alerts about climate change. The union underlines that if we don’t take action on time to reduce the emissions, we will reach a point that there will never be sufficient amount of firefighters to deal with what is to come. Similar approaches could work with forest fires in Southern Europe.
  • In New York, the construction workers are demanding energy efficient buildings and the creation of climate jobs in this sector.
  • The International Transport Workers’ Federation offers a training kit about the climate crisis and jobs, designed particularly for transportation workers.
  • In the United Kingdom, the Public and Commercial Services Union proposes training for the next jobs as part of collective negotiations. For instance, the workers in an oil refinery can demand training in renewable energies as part of their collective negotiation. This is one way of addressing the administrative challenges of the energy transition and preparing the workers for a low carbon economy.

These are only some examples of tactics for the fight for a just energy transition. The essential aspect at this point is that neither the labour movement nor the climate movement can alone win the fight against climate change. We need to keep reinventing and updating alliances to build the movement large and strong enough to change everything.


Adapted for CAN-EECCA from the original article in portuguese.

Táticas e estratégias para alcançar a transição energética justa – Sinan Eden

Este texto não é sobre ciência climática nem é sobre transição energética em geral. Mas antes de começar, é preciso esclarecer três pontos:

Precisamos de uma transição energética urgentemente. A janela de ação está a fechar-se, e restam-nos poucos anos para mudar o sistema energético de uma forma profunda.

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Não está a ocorrer nenhuma transição energética (nem justa nem injusta). Se tudo correr bem com os compromissos assumidos pelos governos, o suposto maravilhoso aumento das energias renováveis não atingirá nem 20% de toda a energia consumida no mundo em 2035. Apesar de todo o marketing verde, a verdade é que os governos não estão a fechar infraestruturas de combustíveis fósseis, e continuam a planear construir novas.03 Renovaveis

Entender que não está a acontecer nenhuma transição energética é importante, porque quem diz que tudo está bem di-lo de forma puramente ideológica, porque não se baseia na realidade dos factos. A narrativa sobre um possível crescimento verde, em que o mercado capitalista e o um planeta habitável seriam compatíveis, não só desmobiliza as pessoas mas também cria um défice de ambição nos movimentos sociais.

O que me leva ao terceiro ponto: nós temos de fazer esta transição acontecer. O que está em causa não é a escolha entre uma transição justa e injusta, mas sim entre uma transição justa e o caos climático.

E para fazer isso acontecer, temos de tornar as alterações climáticas num problema das pessoas. Esta é a problemática em que se foca este texto: como tornar a luta pela transição energética uma luta concreta nas vidas das pessoas.

Vou focar-me particularmente nos trabalhadores e nos sindicatos.

Formas de intervenção sindical

Há duas formas de intervenção sindical pela transição energética:

Em primeiro lugar, como trabalhadores integrais (whole workers), ou seja, como membros da classe trabalhadora e não só como empregados duma empresa. Este tipo de intervenção é bastante comum em Portugal.

Este é um assunto ligado diretamente às vidas dos trabalhadores e comunidades, e os sindicatos têm já uma longa história de intervenção social e política muito para além dos conflitos dentro das empresas. Alguns exemplos bem conhecidos são a luta pela paz (e contra o NATO), a campanha contra a privatização da água liderada pelo STAL, e a intervenção contínua pela igualdade de género.

As lutas sindicais envolvem também uma forte componente de influência sobre, e confrontação das políticas do governo, como a campanha contra a precariedade ou as discussões do orçamento do estado. Neste caso também, a intervenção dos sindicatos vai além das negociações imediatas nas empresas e assume uma visão geral sobre o rumo que a sociedade está a tomar.

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Em segundo lugar, existem trabalhadora/es em sectores de atividade nas linhas da frente da crise climática. Energia e transportes são os sectores-chave na transição energética, onde se vão perder alguns empregos e serão criados muito mais postos de trabalho. Principalmente nos transportes públicos e energias renováveis, estudos preveem um volume de empregos várias vezes superior ao que a indústria petrolífera oferece. Por outro lado, a/os trabalhadora/es nas áreas da floresta, agricultura, saúde pública e o combate aos fogos são quem confronta diretamente os impactos das alterações climáticas. As organizações laborais desta/es trabalhadora/es são altamente relevantes para alertar a sociedade e mostrar o caminho certo.

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Empregos para o Clima como estratégia

Para articular a justiça social e a justiça climática, temos a campanha Empregos para o Clima, que alia os sindicatos e as organizações ambientais. Nós vemos a campanha não como aquilo que deve acontecer, mas sim como aquilo que vamos fazer acontecer.

A campanha, como estratégia, apresenta uma série de forças.

  • É uma proposta concreta e positiva, à qual dizer “Sim”, o que nos coloca numa posição ofensiva (em vez de defensiva).

  • Fala sobre transição justa e aborda os trabalhadores e comunidades que neste momento dependem da indústria petrolífera para sobreviver.

  • Junta ambientalistas e trabalhadores, quebrando o falso dilema entre trabalho e sustentabilidade.

  • Reivindica dezenas de milhares de novos empregos dignos.

  • Apresenta uma verdadeira solução para a crise climática.

  • Assume uma ótica de serviço público; vê e defende o clima como um bem comum.

Táticas e experiências

Com estas vantagens estratégicas, passemos então a exemplos de alianças bem-sucedidas e intervenções sindicais no mundo. Tentarei também fazer algumas pré-propostas de como concretizá-las em Portugal.

Tal como na primeira secção, vou classificar os exemplos como intervenções de trabalhador integral, ou intervenções dos trabalhadores nas linhas da frente.

  • No País Basco, os sindicatos analisaram a situação do fracking (extração de gás fóssil por fratura hidráulica) e responderam não só como trabalhadores mas também como defensores da comunidade. Assim, lideraram a luta contra o fracking em conjunto com várias outras organizações, e tiveram várias vitórias. Um caso semelhante poderia ser tentado na zona da Batalha/Pombal, onde uma concessão de petróleo e gás traz o risco da fratura hidráulica à região, ou no novo projeto de gasoduto entre a Guarda e Bragança, que não trará nenhum emprego mas apenas uma estrada para gás fóssil.

  • Em França, os sindicatos da plataforma Emplois-Climat (Empregos-Clima) mobilizaram as pessoas contra a lei laboral que visa precarizar ainda mais as condições de trabalho. Assim, os sindicatos usaram a campanha como uma proposta contra a precariedade. Em Portugal, no 2º Encontro Nacional pela Justiça Climática, a campanha organizou uma sessão sobre precariedade com a participação da CGTP-IN em que foi tentada a mesma abordagem.

  • Em Noruega, os sindicatos e ambientalistas juntam-se no desfile do 1º de maio. Em Lisboa e no Porto adotámos a mesma prática: a própria campanha em Portugal foi lançada no 1º de maio de 2016.

  • No Reino Unido, o sindicato dos funcionários públicos, Public and Commercial Services Union, tem um papel muito ativo na campanha One Million Climate Jobs (Um Milhão de Empregos para o Clima). O sindicato defende um Serviço Nacional do Clima, que incluiria os empregos para o clima mas também toda a estrutura de função pública que manteria esse serviço. Em Portugal, os sindicatos destes sectores têm uma enorme oportunidade de intervenção neste sentido.

  • Em Nova Iorque, depois do furacão Sandy, os movimentos não deixaram o assunto das alterações climáticas sair da agenda pública. Mais recentemente, os sindicatos assinaram um acordo com o governador para a criação de milhares de empregos para o clima no sector da construção e conversão de edifícios. Em Portugal, as secas e os incêndios poderiam também servir para despertar o mundo para a crise climática. Com uma articulação bem-pensada, os trabalhadores destas áreas poderiam ser os lideres duma transição justa nacional.

  • As campanhas Empregos para o Clima em todos os países participam e influenciam as manifestações pelo clima. Em Portugal, até agora, a campanha não foi além da participação ativa, e pode tomar um papel mais envolvido.climate jobs justice

  • Na Noruega, a campanha Bridge to the Future (Ponte para o Futuro) preparou um compromisso eleitoral para as legislativas em que uma das reivindicações essenciais foi criação de empregos para o clima.

Depois destes casos em que ambientalistas e sindicalistas utilizaram a campanha como uma ferramenta para intervenção em várias áreas, passemos então aos exemplos das linhas de frente.

  • No Reino Unido, a campanha One Million Climate Jobs ganhou enorme visibilidade quando a empresa Vestas quis encerrar um campo eólico. Os trabalhadores e os ativistas convocaram uma ocupação das turbinas, em defesa dos postos de trabalho e do clima ao mesmo tempo. Em Portugal, os transportes públicos (ou a falta deles) poderia facilmente dar espaço a alianças semelhantes.

  • Na África do Sul, os mineiros de carvão envolvidos na campanha One Million Climate Jobs rejeitam as chantagens do governo e os despedimentos. Em vez de entrar em conflito com os ambientalistas, os sindicatos apoiam e defendem a campanha como a solução para uma transição justa, e assim contam com o apoio também dos movimentos climáticos.

  • No Reino Unido, cada vez que uma tempestade atinge o território e várias cidades são afetadas por cheias e inundações, o sindicato dos bombeiros alerta sobre as alterações climáticas. O sindicato sublinha que se não agirmos a tempo de reduzir as emissões, nunca teremos bombeiros suficientes para responder às crises futuras. Uma abordagem semelhante poderia ser explorada com os bombeiros e guardas florestais nas situações de incêndios florestais, cada vez mais fortes e frequentes.

  • Em Nova Iorque, o sindicato dos trabalhadores da construção defende a eficiência energética nos edifícios e a criação de empregos para o clima neste sector.

  • A International Transport Workers’ Federation (Federação Internacional dos Trabalhadores de Transportes) oferece uma formação interna sobre crise climática e empregos, dirigida aos trabalhadores dos transportes.Transicao Justa PCS capa

  • No Reino Unido, o sindicato dos funcionários públicos, Public and Commercial Services Union, propõe formação de requalificação profissional como reivindicação na contratação coletiva. Por exemplo, trabalhadores duma refinaria de petróleo podem exigir formação sobre energias renováveis como parte das negociações coletivas. Assim, pode-se responder aos desafios da gestão da transição energética e os trabalhadores poderão estar melhor preparados.

Para tirar as lições destas experiências e preparar táticas e ações em Portugal, precisamos, em primeiro lugar, de mais contacto e coordenação na campanha Empregos para o Clima. Melhor e mais forte comunicação pode criar a base para colaborar enquanto campanha na preparação de ações conjuntas. Assim, os sindicatos e os movimentos ambientais podem ganhar mais força na luta contra a precariedade, contra a exploração de petróleo, contra as privatizações, pelo emprego digno e pela transição energética.

 

Qual é a resposta para a crise do clima? – Sinan Eden

1. Limites e fronteiras

§1. Limites planetários: Talvez o mais importante dos desenvolvimentos recentes na ciência ecológica seja o conceito de “limites planetários”.1 Os cientistas apontaram nove limites/fronteiras críticas relativamente às condições ambientais que existiram durante os últimos doze mil anos (o período do Holoceno). Estes limites dizem respeito a: (1) alterações climáticas; (2) acidificação dos oceanos; (3) depleção do ozono estratoesférico; (4) limite dos fluxos biogeoquímicos (ciclos do fósforo e do nitrogénio; (5) utilização global de água doce; (6) mudança dos sistemas de utilização do solo; (7) perda de biodiversidade; (8) acumulação de aerossóis na atmosfera; (9) poluição química.2

O sistema da Terra que mantivesse as condições físicas necessárias para o desenvolvimento da civilização humana seria essencialmente alterado para lá destes limites.

Um estudo recente mostra que quatro dos nove limites planetários foram já ultrapassados graças à acção humana: alterações climáticas, perda de integridade da biosfera, mudança dos sistemas de utilização do solo, e os ciclos do fósforo e do nitrogénio.3

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Como foi explicado num artigo anterior, a crise climática é especialmente perigosa por causa da sua natureza irreversível.4 Focaremos, portanto, a nossa atenção nas alterações climáticas, ainda que a maior parte da argumentação possa ser aplicada à crise ecológica no geral.

A ultrapassagem dos limites planetários põe toda a civilização humana em risco de colapso. No entanto, para perceber a razão pela qual estes limites estão a ser ultrapassados hoje e não noutro momento qualquer (e, consequentemente, perceber como prevenir o possível colapso), temos de fazer uma análise do ponto de vista histórico e não do ponto de vista moral.

§2. Limites históricos a empurrar as fronteiras planetárias: Do ponto de vista teórico, a ultrapassagem das fronteiras planetárias é apenas mais uma manifestação de que o capitalismo atinge os seus limites históricos. A estagnação secular que se começou a manifestar nos anos 70 coincide (e não por acaso) com a pegada ecológica global a ultrapassar o limiar de um-planeta.5 6

Depois de a “idade do ouro” que se seguiu à II Guerra Mundial, a lei da queda tendencial da taxa de lucro tornara-se o factor dominante nas economias mundiais, e nem mesmo a dissolução da União Soviética (e a consequente “transição” das suas economias para o capitalismo global) foi suficiente para aliviar a ânsia neoliberal pela apropriação imediata de valor.

A forma como o capitalismo e os capitalistas responderam aos limites históricos forçou e empurrou os limites planetários de várias maneiras, que analisaremos mais adiante. Mas primeiro vamos deter-nos sobre a razão pela qual o modo de produção capitalista intrinsecamente ignora, causa e intensifica os desastres ecológicos.

2. Antagonismos do Capitalismo

§3. Valor de uso vs valor de troca:7 Todas as mercadorias têm um valor de uso e um valor de troca. O valor de uso é uma forma de valor qualitativo, que depende das necessidades e das prioridades de cada pessoa. O valor de troca, por outro lado, é calculado através do tempo de trabalho socialmente necessário para a produção dessa mercadoria. No que diz respeito à circulação de mercadorias, o valor de troca é a forma de valor mais relevante.8

O dinheiro é a mercadoria cujo valor de uso é ser a medida de todos os valores de troca. Enquanto outras mercadorias são compradas para uso pessoal, o dinheiro é adquirido porque oferece o acesso universal a todas as mercadorias. O dinheiro representa, portanto, o poder universal.

O que existe para mim através do dinheiro – aquilo que posso pagar (ou seja, que o dinheiro pode comprar) – tudo isso sou eu, o possuidor do meu dinheiro. O alcance do poder do dinheiro é o alcance do meu poder. As propriedades do dinheiro são as minhas propriedades e faculdades essenciais – as propriedades e faculdades do seu possuidor. Assim, aquilo que sou e que de que sou capaz não é, de maneira nenhuma, determinado pela minha individualidade. Sou feio, mas posso comprar para mim a mais bela das mulheres. Não sou feio, portanto, porque o efeito da fealdade – o seu poder de dissuasão – é anulado pelo dinheiro.9

De modo geral, observamos a simples circulação de mercadorias, representada assim:

Mercadoria – Dinheiro – Mercadoria,

M – D – M.

O padeiro vende o pão e compra leite com o dinheiro que ganha; o leiteiro usa esse dinheiro para comprar sapatos. O trabalhador vende a sua força de trabalho e paga a conta da electricidade com o seu salário. Isto significa que, de modo geral, vendemos para podermos comprar. Assim, para o cidadão comum, um mecanismo mais racional do que o capitalismo parece inconcebível.

O que os capitalistas vêem, no entanto, é um versão iterada desta circulação. Nós vemos

… M – D – M – D – M …

(pão) (leite) (sapatos)

enquanto eles vêem

… D – M – D – M – D …

Isto é a circulação do capital. Esta é a base de todas as bolsas de valores e mesmo de toda a economia dos dias de hoje. Começa com o dinheiro e acaba com o dinheiro. Ao contrário do nosso senso comum, aqui a motivação maior é comprar para poder vender.

Um padeiro não compra trinta litros de leite só para si; a circulação M – D – M tem limites naturais; o ciclo D – M – D, pelo contrário, é infinito, tendo como motivação principal gerar mais dinheiro.

A simples circulação de mercadorias – vender para comprar – é um meio para atingir um objectivo situado fora dela, isto é, a apropriação de valores de uso, a satisfação de necessidades. A circulação do dinheiro como capital constitui, pelo contrário, o objectivo em si mesma, porque é só por este movimento constantemente renovado que o valor continua a fazer-se valer. A circulação do capital não tem, portanto, limite.10

Até certo ponto, há uma relação entre necessidades humanas reais e o ciclo M – D – M (o padeiro precisa mesmo de leite). No ciclo D – M – D, esta necessidade não existe. A única necessidade existente aqui é obter mais valor de troca. É a isto que normalmente se chama o movito da “maximização do lucro”. A lógica do capital é, portanto, a do crescimento pelo crescimento.11

§4. O valor de troca domina: A integração capitalista é a integração do valor de troca em todas as esferas da vida, e a desintegração de todos os outros valores da vida. O sistema financeiro, onde a “sustentabilidade” das formas monetárias (em vez de objectos reais) é o objectivo principal, é a subordinação final do valor de uso ao valor de troca.

§5. Alienação: O capital não vê nada senão mercadorias. O capital tende a ver mercadorias para onde quer que olhe. O capital reduz as mercadorias a valores de troca. Isso tem dois tipos de impactos.

Primeiro, o capitalismo gera a sua cultura à sua imagem, em que as pessoas têm dificuldade em separar as suas necessidades das necessidades do capital. Isto dá origem a uma alienação dos humanos em relação aos outros humanos, uma vez que vêem os outros apenas como proprietários de mercadorias.

Em segundo lugar, todas as coisas são subjugadas à circulação do capital. Disto resulta a comercialização da natureza, onde os sistemas naturais são reduzidos ao valor de troca que deles pode ser extraído.

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§6. O capital vs. A Natureza: As características do capital e as da natureza são intrinsecamente antagónicas. O capital caracteriza-se pela divisibilidade (a forma monetária pode ser dividida em peças tão pequenas quanto se quiser), pela equivalência (os valores de todos os objectos são comparáveis nos seus preços), e por ser ilimitado (ver §3.). Por outro lado, a natureza compreende-se melhor em temos holísticos, sendo diversa e limitada. Este antagonismo torna o capital incompatível com os sistemas terrestres.

§7. Socialização e individualização: Através da socialização do processo laboral, o capitalismo emancipou os seres humanos dos seus constrangimentos naturais. Criou um metabolismo social onde a interdependência é a característica fundamental, ao mesmo tempo que cada indivíduo está ao abrigo de condições externas: quando estamos doentes, vamos ao hospital; quando precisamos de electricidade, basta acender a luz. Quando precisamos de água, abrimos a torneira. Quando um desastre acontece numa qualquer parte do mundo, acreditamos que cabe aos outros países ajudar. Ninguém no mundo de hoje utiliza apenas os materiais produzidos na sua própria comunidade, etc.

Esta integração criou uma sociedade mundial onde nenhum indivíduo depende de nenhum outro indivíduo em particular para sobreviver, ao mesmo tempo que a sociedade num todo depende de si própria para a sua manutenção.

Entretanto, a sociedade foi desintegrada do seu ambiente natural. A cidade foi separada do campo. A produção e o consumo foram dramaticamente separados em tempo e espaço. Deu-se uma ruptura metabólica entre seres humanos e natureza.12

§8. Alienação da Natureza:

A natureza é o corpo inorgânico do homem; quer isso dizer a natureza excluindo o próprio corpo humano. Dizer que o homem vive da natureza significa que a natureza é o corpo dele, com o qual deve se manter em contínuo intercâmbio a fim de não morrer. A afirmação de que a vida física e mental do homem e a natureza são interdependentes, simplesmente significa ser a natureza interdependente consigo mesma, pois o homem é parte dela.13

A natureza extractivista do capitalismo (ver §3.) está em conflito directo com uma relação natural dos seres humanos com a natureza. A lógica linear do capitalismo e a sua redução de tudo à acumulação de valor é incompatível com os ciclos e sistemas complexos da natureza.

A resposta capitalista à crise climática é, consequentemente, também ela reducionista, conduzindo necessariamente a falsas soluções.

3. A resposta capitalista

§9. Voltemos agora aos limites históricos e às fronteiras planetárias, tendo em conta os antagonismos do capitalismo.

§10. A resposta capitalista aos seus limites históricos: A atitude geral do capitalismo face aos seus limites históricos foi condicionada pela sua mono-dimensionalidade: fazer mais do mesmo, exactamente da mesma maneira, e esperar que o problema se resolva.

Para começar, inventaram-se necessidades desnecessárias, como carros cada vez maiores (para andar em média a 15km/h nas grandes cidades), ou todo o tipo de materiais descartáveis. Depois, inventaram-se empregos desnecessários, como a protecção de copyright14 e a publicidade em massa. Depois, a obsolescência programada promoveu o “descartável” a “tem-de-ser-descartado”.15 Na frente ideológica, isto é acompanhado pela mercantilização de tudo, pela redução dos ecosistemas aos “bens e serviços ambientais” (assim quantificados em termos de valor do mercado, e assim inseridos numa análise de custo-benefício16), e pelas privatizações.

A maioria destas medidas funcionou com sucesso para gerar lucro, e nada mais do que isso.

§11. A resposta capitalista aos problemas ambientais: A resposta imediata das corporações à crise climática foi encontrar, fundar e/ou financiar ONGs que serviriam para “sensibilizar” em relação à crise criada pelas próprias corporações, concentrando-se em soluções individuais e desviando a atenção dos problemas sistémicos de fundo. As respostas mais sofisticadas incluíram ainda mais financeirização, como mercados de carbono, mecanismos de REDD+ e as compensações do carbono. Esta última resposta foi muito além das distopias, onde alguém é alegremente convidado a comprar para ser boa pessoa, pagando um valor consideravelmente mais alto por um produto para que uma percentagem minúscula do lucro financie a compensação de alguns dos efeitos negativos desse mesmo produto.

cop15protest

§12. A resposta capitalista aos grupos de justiça ambiental: Quando as preocupações em relação à sustentabilidade entraram em conflito directo com a maximização do lucro, a resposta imediata foi oprimir globalmente os grupos da advocacia. Alguns exemplos dos países menos anti-democráticos são as reacções do estado às lutas contra o gasoduto no Dakota do Norte, à ZAD de Notre-Dame-des-Landes, ao movimento “No New Runways” em Heathrow, entre muitos outros, dos quais dispomos geralmente de pouca documentação.17

Quando a opressão falha, o passo seguinte é a negociação, para deixar o status quo inabalado. A dimensão enorme da crise climática exigiu um processo de negociação e de sofisticação mais complexo. Cimeiras atrás de conferências atrás de cimeiras. Mais e mais relatórios optimistas foram aparecendo.18 Fez-se muito barulho. Muitas “vitórias” foram declaradas (sendo as mais emblemáticas Quito e, recentemente, Paris). Contudo, as emissões de gases com efeito de estufa continuaram a aumentar e o aquecimento global continuou a acelerar, ultrapassando limiares sucessivos.

4. As respostas socialistas até agora

§13. As experiências socialistas até agora reivindicaram a abolição dos antagonismos do socialismo, enquanto a destruição ecológica continuou. Por outras palavras, uma condição necessária para um futuro sustentável (confrontar o sistema capitalista) não resulta numa condição suficiente para ele. As experiências anteriores merecem, portanto, um olhar crítico no nosso contexto.19

§14. A experiência Soviética: A União Soviética, a primeira experiência socialista na história mundial, nasceu com dois constrangimentos estruturais para a construção de uma nova civilização. O primeiro foi o falhanço da revolução europeia que se esperava a seguir, o que isolou a revolução de uma sociedade maioritariamente camponesa com baixo nível de industrialização. O segundo constrangimento foi ver-se entalada entre a necessidade imediata de uma reconstrução massiva depois da desastrosa 1.ª Guerra Mundial e a necessidade urgente de preparar a indústria e a sociedade para confrontar o exército Nazi na 2.ª Guerra Mundial. Estes dois constrangimentos levantaram o problema premente da rápida industrialização e expansão da economia Soviética.

§15. Dognat’ i Peregnat’: A solução política que os líderes Soviéticos encontraram foi “alcançar e superar” as economias capitalistas. Os modelos Tayloristas foram implementados nas fábricas, as experiências de auto-gestão foram descartadas. A curto prazo, esta fórmula política parecia funcionar: a produção aumentou, a economia Soviética “saltou por cima”, literalmente, da Grande Depressão (deixando perplexos os líderes políticos do mundo inteiro e tornando mainstream a economia planificada até nos centros capitalistas), e a URSS conseguiu resistir e expulsar a tentativa de ocupação Nazi que se seguiu poucas décadas depois.

§16. A longo prazo, no entanto, estas escolhas reproduziram a alienação dos trabalhadores tanto em relação aos seus produtos como ao seu acto de produção. Como não havia questionamento posterior destas escolhas, o modo de produção da União Soviética tornou-se capitalista na forma (reproduzindo a alienação), com conteúdo socialista (a mais-valia colectivizada). Esta abordagem anti-dialética resolveu-se a si própria gradualmente, com a forma a ditar o conteúdo. A forma e o conteúdo foram reconciliadas com Glasnost e Perestroika.

A alienação capitalista reproduzida tinha ainda implicado a alienação da natureza, cujos exemplos mais drásticos são patentes no colapso completo do lago Aral, no desastre nuclear de Chernobyl, e na pesada militarização da economia e da sociedade Soviética.

§17. Outras experiências socialistas: Algumas destas políticas Soviéticas foram depois postas em causa em Cuba (após a dissolução da União Soviética e da crise do petróleo que se seguiu), mas continuaram praticamente intactas noutros exemplos até bem recentemente (particularmente na China). Mais recentemente, os governos da Bolívia e do Equador desenvolveram abordagens radicalmente diferentes, ao incluir os direitos da natureza na Constituição dos seus países. Estas últimas experiências têm as suas próprias contradições latentes, especialmente ao terem lugar em economias completamente inseridas no sistema capitalista.

rights of nature

5. Marxismo e Ecologia

§18. Críticas anti-comunistas: As críticas ecológicas anti-comunistas às experiências socialistas incidem essencialmente na reprodução da lógica de produção capitalista. No entanto, estas críticas omitem, muito convenientemente, este lado das suas análises, lavando na verdade a imagem da ideologia capitalista.

Se quisermos resolver a crise climática, continuará a ser necessário atacar os antagonismos internos do capitalismo. A experiência Soviética mostra que este “ataque” tem de ser muito mais profundo do que se pensava ao princípio.

§19. Críticas anti-Marxistas: Um pré-requisito universal para qualquer discurso anti-Marxista é nunca ter lido Marx. O mesmo se aplica na área da ecologia. No pior dos casos, os críticos anti-Marxistas desconhecem conceitos-chave da análise de Marx, tais como o da “ruptura metabólica”20, o da “alienação dos trabalhadores, a “eliminação gradual da diferença entre cidade e campo, por uma distribuição mais justa da população pelo país”21, etc, e lêem Marx com os seus próprios olhos positivistas e mecânicos. No melhor dos casos, parecem culpar Marx e Engels pelo seu optimismo revolucionário: de facto, estes revolucionários julgavam que o capitalismo seria derrotado muito antes de os problemas ecológicos se agudizarem desta forma.

§20. Em qualquer dos casos, abandonar a análise marxista da História deu lugar a um entendimento estático da crise climática. Um subproduto importante desta confusão ideológica da política ecológica é que, uma vez removida da análise a luta de classes como motor da História, o movimento pela justiça ambiental acaba com um problema de agência. Isto levou a abordagens moralistas e muitas vezes despolitizadas.

§21. Marxismo e Ecologia: Ao longo das últimas décadas, surgiram dentro do Marxismo duas correntes que integraram a perspectiva ecológica nas suas análises. Uma é a escola de Ecologia Marxista (encabeçada pela revista Monthly Review) e a outra é a Rede Eco-socialista (por exemplo, na coligação System Change Not Climate Change).22 Estas correntes dão ênfase à unidade orgânica dos seres humanos com a natureza (contra a dicotomia natureza versus seres humanos), politizando o discurso das “necessidades”,23 questionando a produção industrial enquanto única forma de criar valor (isso seria capitalismo), e reintroduzindo ferramentas políticas essenciais como o tempo livre e a racionalização e planificação da economia. Do ponto de vista teórico, identificam também os elementos da super-estrutura que reproduzem as relações de produção capitalistas.

6. Ecologia revolucionária ou barbárie

§22. O caldeirão das lutas ambientalistas e anti-capitalistas: A crise climática, com a sua componente de urgência, torna visível duas limitações com que se depararam os ambientalistas até agora.

Em primeiro lugar, a transformação radical necessária, do ponto de vista social, económico e ecológico, para travar o aquecimento global exclui automaticamente qualquer solução “dentro do sistema”. Os únicos caminhos realistas apontam para $1,1 biliões de activos abandonados na próxima década e é tecnicamente impossível fazer isto de uma forma economicamente suave.24 Em segundo lugar, é cada vez mais evidente que não se pode ganhar a luta climática sem ganhar “tudo”. As soluções passam por transformações profundas dos métodos de produção, de distribuição e de consumo, a todos os níveis. Por seu lado, isto implica confrontar as maiores empresas do mundo (a maior parte das quais está directamente ligada aos combustíveis fósseis). Por outras palavras, ou transformamos nós próprios as nossas sociedades em todos os seus aspectos (energia, transporte, alimentação, etc), ou as alterações climáticas transformarão tudo por nós (secas, tempestades, falhas de infraestrutura, refugiados climáticos, etc).25 Em resumo, começa a ser impossível ser-se ambientalista sem se ser também anti-capitalista.

Do outro lado do espelho, aparece uma imagem simétrica, com duas limitações com que se deparam os anti-capitalistas. Primeiro, a potencial irreversibilidade das alterações climáticas serve de alerta para todos os revolucionários, estabelecendo um prazo máximo para ganhar a luta. Em segundo lugar, a revolução não pode ser uma revolução qualquer – tem de responder directamente à crise climática. Os anti-capitalistas têm de ter propostas concretas (e urgentes) que respondam simultaneamente às injustiças climáticas e sociais.

Resumindo, a crise climática serve como caldeirão onde se devem misturar os ambientalistas e os anti-capitalistas, fazendo de todos revolucionários – exactamente o que precisamos nestes tempos.

§23. Soluções verdadeiras e soluções falsas: As soluções verdadeiras para a crise climática têm de, pelo menos, confrontar as tendências capitalistas de comercialização e maximização do lucro. Na verdade, isto pode ser usado como teste decisivo para distinguir as soluções reais das soluções fáceis. Seguem-se alguns exemplos que apontam direcções ideológicas opostas.

A campanha “Keep It In the Ground” exige o abandono imediato de todos os novos projectos de combustíveis fósseis, enquanto o discurso do crescimento verde se concentra num “aumento da parte dos renováveis”, ignorando o argumento físico que mostra que, para reduzir emissões, temos de substituir as infraestruturas dos combustíveis fósseis e não apenas acrescentar mais recursos renováveis à oferta energética.

Muitas campanhas de não-produção sublinham outros valores que não os de mercado, como as lutas contra os mega-projectos, de que são exemplo a ZAD, Heathrow, a revolta de Gezi e a Defesa das Florestas do Norte de Istambul. Do lado contrário, as companhias de aviação vendem recibos de compensações do carbono para supostamente plantar árvores algures, continuando assim a emitir dióxido de carbono.

As campanhas pelos transportes públicos concentram-se na equidade e no acesso à cidade, reduzindo ao mesmo tempo o consumo e as emissões, enquanto outras campanhas confiam num boom na indústria dos carros eléctricos, que se baseia nas mesmas práticas extractivistas.

As campanhas pelos Empregos para o Clima exigem empregos decentes para centenas de milhares de pessoas, protegendo ao mesmo tempo os trabalhadores que perderiam os seus postos de trabalho com a transição energética. A abordagem da economia verde, no entanto, ainda não produziu senão alguns subsídios para alguns sectores, como incentivo para mais lucro, e não para uma transição energética.

Alguns sectores dentro do movimento de decrescimento viram a sua atenção às necessidades estruturais do capitalismo, tais como as guerras, a publicidade, e a obsolescência programada. (No melhor dos casos, estas indústrias não produzem nada para as pessoas; no pior dos casos, destroem o que foi produzido.) Pelo contrário, as propostas tecno-fixas vão desde a instalação de espelhos na atmosfera para relectir os raios de sol até tecnologias de geração de nuvens artificiais. Evidentemente, estas “soluções” raramente passam do papel, uma vez que não há procura no mercado para elas. Ainda assim, fizeram barulho suficiente para criar ilusões bastantes dento do movimento climático.

Mais em geral, a abordagem da transição justa exige justiça social e climática, enquanto uma grande parte das ONGs ambientalistas continua a propor uma espécie de “austeridade ambiental”, fazendo as pessoas pagar, uma vez mais, os custos criados pelos capitalistas.

§24. Temos de nos lembrar sempre de que a crise climática é uma crise social.

O planeta não precisa de seres humanos, nem é a biodiversidade um bem em si mesmo. Os seres humanos precisam de manter os sistemas da terra dentro das fronteiras planetárias, para a sua própria sobrevivência como seres naturais. A solução para a crise social é uma mudança de sociedade, e não umas quantas alterações sectoriais.

O slogan “Muda o Sistema, Não o Clima” aponta o caminho para um planeta justo e habitável.

scncc


* Artigo originalmente publicado no Praxis a dia 10 de janeiro de 2018.


1 Fred Magdoff, John Bellamy Foster, What Every Environmentalist Needs to Know About Capitalism, Monthly Review, Volume 61, Número 10 (Março 2010).

2 Johan Rockström, et al., “A Safe Operating Space for Humanity,” Nature, 461 (24 de Septembro, 2009), 472-75.

3 Danger zone: Earth crosses four planetary boundaries, Climate & Capitalism, 15/01/2015.

5 Hans G. Despain, Secular Stagnation: Mainstream Versus Marxian Traditions, Monthly Review, Volume 67, Número 04 (Septembro 2015).

6 Fred Magdoff, John Bellamy Foster, Stagnation and Financialization: The Nature of the Contradiction. Monthly Review, Volume 66, Número 01 (Maio 2014).

7 Este parágrafo padece de erros teóricos e falhas devidas à simplificação excessiva e a omissões que escolhi fazer de forma a sublinhar alguns aspectos da teoria marxista relevantes para o nosso contexto.

8 A força de trabalho também é uma mercadoria. Um proletário é alguém que vende a sua força de trabalho para sobreviver. No entanto, o tempo de trabalho necessário para produzir os bens de necessidade diária de um trabalhador é menor do que o seu número de horas de trabalho diário. A diferença, ou seja, a mais-valia gerada pelo trabalhador, é apropriada pelo capitalista que comprou a sua força de trabalho.

9 Karl Marx, The Economic and Philosophic Manuscripts of 1844, Tradução inglesa de Martin Milligan, International Publishers, New York, 1964, p.167.

10 Karl Marx, Capital Volume 1, Marxist Internet Archive, http://www.marxists.org/archive/marx/works/download/pdf/Capital-Volume-I.pdf , p.104-105.

11 Uma nota fundamental: uma tendência comum é deduzir, desta análise, que “M – D – M é bom, D – M – D é mau” (este é também o principal argumento ético contra as políticas neoliberais). Esta dedução está errada. Não há aqui dois ciclos. A dinâmica do mundo das mercadorias é … M – D – M – D – M – D… . Esta dinâmica engloba a circulação de mercadorias e a circulação de capital. Os resultados deste parágrafo são, portanto, as consequências analíticas de uma estrutura sócio-económica em que as pessoas se relacionam umas com as outras enquanto proprietários de mercadorias.

12 John Bellamy Foster, Marxism and Ecology: Common Fonts of a Great Transition, Monthly Review, Volume 67, Número 7 (Dezembro 2015).

13 Karl Marx, The Economic and Philosophic Manuscripts of 1844, Translated by Martin Milligan, International Publishers, New York, 1964, p.112.

14 Isto tem uma importância particular. O famoso motivo da competição, que é suposto ajudar a produzir cada vez mais bens, causa o mair constrangimento possível ao acesso aos bens já produzidos.

15 Ver Story of Stuff. http://storyofstuff.org/

16 Ver: Robin Hahnel, Green Economics: Confronting the Ecological Crisis, Taylor & Francis, 2010, 288 páginas.

17 Sinan Eden, A huge case study of resistances and victories: Turkey, Climáximo blog, https://climaximo.wordpress.com/2015/11/01/a-huge-case-study-of-resistances-and-victories-turkey/

18 Sean Sweeney e John Treat, Energy Transition: Are We Winning?, Trade Unions for Energy Democracy Working Paper No. 9, Janeiro de 2017.

19 Para ser claro, não vou usar nenhuma definição categórica do socialismo neste capítulo. Vou brevemente rever algumas das experiências auto-declaradas como socialistas. Uma análise mais aprofundada, que inclui outros estudos de caso (particularmente os exemplos autênticos do Sul Global) exigiria um artigo separado.

20 John Bellamy Foster, Marx and the Rift in the Universal Metabolism of Nature, Monthly Review, Volume 65, Issue 07 (Dezembro 2013)

21 Karl Marx e Friedrich Engels, Communist Manifesto, tradução disponível online no Marxist Internet Archive, https://www.marxists.org/archive/marx/works/1848/communist-manifesto/

23 Ege M. Diren, Who Needs Our “Needs”, Out for Beyond, 23/10/2011. https://network23.org/outforbeyond/2011/10/23/who-needs-our-needs/

24 Jess Worth, Ending the Oil Age, The New Internationalist, Novembro 2014, Número 477.

25 Naomi Klein, This Changes Everything: Capitalism versus The Climate, Siman & Schuster, 2014.

Ativismo: é melhor do que falecer – Sinan Eden

§0. Quando falamos sobre alterações climáticas, muitas pessoas me perguntam: “Mas o que posso eu fazer no dia-a-dia?” A minha resposta é: torna-te um/a ativista polític@ no teu dia-a-dia. Organiza ação coletiva contra os criminosos do clima. Isto não só é mais divertido, mas também muito mais eficaz. E quando digo mais eficaz, quero dizer muuuuuuuuuuuito mais eficaz.

§1. As emissões de gases com efeito de estufa em Portugal são 7 toneladas per capita por ano. Ou seja, uma pessoa média em Portugal emite o equivalente a 7 toneladas de CO2 durante um ano.* Ora, os níveis sustentáveis que temos de atingir mundialmente são 2 toneladas per capita por ano.

Vamos ver então as nossas opções.

A) Podes consumir menos.

§2. Se calhar és um franciscano ecológico. Assim i) partilhas a tua casa com mais três pessoas, ii) nunca usas aquecimento, iii) usas eletricidade só para as necessidades básicas, iv) nunca viajas entre cidades, v) usas só transportes públicos e isso também só para ir ao trabalho, vi) nunca comes carne, vii) compras só alimentos locais, viii) nunca compras roupa, ix) evitas produtos com embalagens, e x) nunca vais ao cinema ou ao teatro.

bosch-hellEntão as tuas emissões são 3.4 toneladas por ano. **

§3. Vejamos. Produzes 7 toneladas de emissões. Tens de chegar a 2 toneladas. Mas se fizeres tudo tudo tudo o que podes fazer no teu dia-a-dia, nem sequer consegues descer até às 3 toneladas.

Isto porque vivemos num sistema socioeconómico em que as nossas escolhas como consumidores/as são predefinidas pela linha de produção.

§4. Então, austeridade ecológica não resultou.

B) Podes suicidar-te.

§5. Assim reduzirias as tuas emissões a zero.

§6. Mas as emissões do mundo continuariam. Portanto, se te suicidasses e te encontrasses com @(s) teu/tua(s) deus(e/as) ecológic@(s), ele/a(s) mandar-te-iam para o inferno ecológico (para seres queimado/a como biocombustível com zero emissões líquidas, para aquecer o paraíso ecológico) porque poderias ter convencido outras pessoas a suicidarem-se contigo e não o fizeste.

Portugal tem de cortar as suas emissões nacionais em 60-70% em 15 anos. Isto quer dizer que terias de convencer mais de metade de população a suicidar-se, e terias 15 anos para fazer isto.

§7. Na verdade, os países desenvolvidos como Portugal têm já um longo passado de emissões de gases com efeito de estufa, e estes têm vindo já a causar catástrofes noutros países, nomeadamente no Sul Global. Por isso, para uma distribuição justa das responsabilidades históricas, Portugal deveria cortar também as emissões de outros países, para além das suas emissões nacionais. (Por outras palavras, devemos cortar 60-70% das emissões nacionais. Depois, devemos cortar, em outros países, emissões equivalentes a 40-50% das nossas emissões.)

Ou seja, as emissões de um/a habitante de Portugal devem tornar-se negativas em 15 anos, algo que não podes atingir ao morrer. E nem seria suficiente matares outros/as portugueses/as. Terias de matar estrangeiro/as também, e especialmente crianças.

§8. Bolas! Se a única solução individual para um planeta habitável é matar pessoas em massa, porquê fazê-lo? Combatemos as alterações climáticas exatamente para isto não acontecer. Será que existe outra solução?

C) Podes participar em ativismo climático.

§9. Em maio de 2016, dentro da quinzena de ação global “Liberta-te dos combustíveis fósseis”, mais de 30 mil ativistas em 6 continentes participarem em 20 ações de desobediência civil em massa em sítios-chave, bloqueando minas, portos, centrais a carvão, zonas de fracking e mais.

§10. Na Lusitânia, Alemanha, ocorreu a ação Ende Gelände. 3500 ativistas ocuparam a maior mina de carvão na Europa durante uns dias, fisicamente bloqueando 24 547 toneladas de emissões de dióxido carbono.

Isto perfaz 7 toneladas por pessoa.

§11. Então, podes passar três dias do teu ano a participar numa ação direta contra a indústria dos combustíveis fósseis. E se és uma pessoa média e se participaste na Ende Gelände nesse ano, as tuas emissões anuais foram: ZERO!

E se prestaste um pouco de atenção às escolhas do teu estilo de vida, se calhar até tiveste emissões negativas!

§12. Claro que se curtiste estar do lado certo da história, se os sentimentos de solidariedade, unidade e justiça te fizeram mais feliz, então podes fazer mais do que uma ação por ano – se calhar menos confrontativa.

O que tudo isto significa

§13. Como é óbvio, o objetivo destas contas não é desvalorizar os esforços envolvidos na organização, preparação e divulgação duma ação deste género. Muitos autocarros foram organizados a partir de dezenas de cidades europeias. Houve treinos de ação. Houve um acampamento. Houve enorme trabalho para montar equipas médicas e apoio legal. Podes ajudar em cada uma destas tarefas e assim seremos mais fortes da próxima vez. Uma ação direta de 3 dias não acontece espontaneamente, ela precisa de trabalho de preparação que demora meses.

§14. O objetivo também não é sobrevalorizar as ações só por si. A quinzena “Liberta-te / Break Free” foi parte das campanhas locais já existentes e serviu para aeg3limentar estas lutas, que noutros momentos usam táticas diversas para parar estes projetos poluentes, como comunicação direta, sessões de esclarecimento, ações criativas e manifestações. Podes ajudar em tudo isto, e quem sabe, se calhar um dia destes uma campanha diversificada fa uma das maiores empresas privadas de carvão falhar. Espera, mas isto já aconteceu em abril de 2016! Em qualquer caso, as maiores empresas do mundo continuam a ser os maiores poluidores e temos um caminho longo pela frente.

§15. Para além disso, a justiça climática não pode ser reduzida às emissões. Justiça climática tem também a ver com pobreza energética, racismo, habitação, captura do poder pelas empresas via tratados de comércio livre, e – se calhar o mais importante – com paz. Tenho a certeza de que podes encontrar a área que mais te toca e envolver-te em ativismo nesta área. Todas estas lutas são lutas pela justiça climática.

§16. Finalmente, a luta entre as narrativas individuais e narrativas coletivas é uma luta ideológica.

Os neoliberais querem isolar-nos, querem tornar-nos meros “consumidores” atomizados, querem reduzir o nosso poder e a nossa capacidade financeira.Tokelau-canoe-launched-pacific

3500 pessoas separadas e isoladas não poderiam parar mina alguma. Juntas e organizadas, conseguiram fazê-lo. E é certamente este o pesadelo das elites económicas.

§17. As escolhas individuais consistentes com o mundo que queremos construir são eticamente relevantes, mas não são politicamente eficazes. Os números dizem-nos que, se queremos evitar um colapso civilizacional, temos de rapidamente nos organizar e mobilizar.

Junta-te à luta, ajuda nas campanhas existentes, traz novas ideias, faz parte desta oportunidade histórica para mudar tudo, antes que o clima o faça.

***

Notas:

* Emitimos também metano, etc., por isso usamos a unidade CO2e, que é “equivalente de CO2”. Ou seja, nestas contas, todos os gases com efeito de estufa estão incluídos.

** Existem várias formas de calcular a tua pegada de carbono. Usei os números daqui porque chegam a um valor pequeno: http://www.carbonindependent.org/ . Depois, há também este calculador http://www.carbonfootprint.com/ e este outro: http://footprint.wwf.org.uk/home/calculator_complete . O último é só para o Reino Unido, e o resultado da mesma conta seria 6.7 toneladas. Ou seja, um franciscano ecológico inglês conseguiria chegar aos valores médios dum/a habitante normal de Portugal.

§18. Depois destas minhas contas, o Luís Fazendeiro fez outras contas para uma outra formação do Climáximo:

  • Ele assume que a média de emissões per capita em Portugal são 6 toneladas de CO2e por ano. (Na verdade, são 6.6 mas alguns anos são ligeiramente melhores e outros ligeiramente piores.)

  • Ele considera 1000 pessoas, ou seja todas as pessoas que nós podemos influenciar diretamente. Estas pessoas vivem uma média de 80 anos. Assim, emitem uma média de 480 mil toneladas de CO2e em toda a sua vida.

  • Ora, o Luís diz que se elas vivessem um estilo de vida “espartano”, eventualmente poderiam chegar a 1-2 toneladas de CO2e por ano. Isto quer dizer que com um estilo de vida “espartano” estas 1000 pessoas poderiam poupar um total de 400 mil toneladas de emissões em 80 anos. (Eu não vi os cálculos para chegar a este valor, mas confio nas contas dele. Imagino que ele assume uma pessoa desempregada que vive numa aldeia com os seus pais. Na cidade e com emprego, penso ser impossível chegar a estes valores.)

  • Contudo, a central termoelétrica de Sines emite ~6 milhões de toneladas de CO2e num só ano.

  • A conclusão do Luís é que se estas mil pessoas lutassem durante 80 anos com convicção e a única vitória delas fosse conseguirem fechar a central de Sines um ano antes do plano do governo, isto seria uma luta 15 vezes mais eficaz.

O governo anunciou o seu plano de ação climática, e é ainda pior do que pensávamos. – Sinan Eden

No dia 11 de outubro, na Culturgest, o Primeiro-Ministro, o Ministro do Ambiente e o Presidente da Câmara de Lisboa convidaram centenas de empresários, jornalistas e representantes de ONGs para a apresentação do “Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050”, que pretende resumir toda a política do governo do PS em relação às alterações climáticas.

Ainda sabemos pouco sobre os detalhes, mas António Costa fez a seguinte declaração, a única informação concreta que saiu na comunicação social: “Estabelecemos metas para 2030 com ambição: reduzir as emissões entre 30%-40% em relação a 2005 …”

Vamos ver o que isto quer dizer.

Em 2005, as emissões foram de 86 Mt de CO2e (equivalente a 86 milhões de toneladas de CO2). Em 2015, foram de 68 Mt de CO2e. Esta informação é oficial e pública, no site da APA assim como nos ficheiros da UNFCCC.*

PT emissions timeline

Agora, o PS quer fazer reduções entre 30 e 40%. Por outras palavras, alcançar 60 a 70% das 86 Mt de CO2e. Ou seja, ou governo propõe emitirmos 52 a 60 Mt de CO2e em 2030.

Começando hoje, o governo quer cortar entre 8 e 16 Mt de emissões. Logo, o governo quer cortar as emissões atuais entre 11 e 24%.

Depois de esclarecermos esta manobra de contabilidade criativa, podemos voltar à realidade climática e ao realismo climático.

Há vários modelos que explicam o que deve ser feito para conseguirmos ficar abaixo de 2ºC de aquecimento global em relação a níveis pré-industriais. Usemos o modelo mais consensual, que toma em conta as responsabilidades históricas e a capacidade tecnológica de cada país. Na verdade, este modelo também inclui a dívida ecológica que o Norte Global contraiu aos países do Sul Global, mas vamos para já ignorar esta parte e focar-nos só nas emissões domésticas.

Para termos um planeta habitável e para evitar um ponto sem retorno na crise climática, Portugal deveria reduzir as suas emissões para 24 Mt de CO2e até 2030. Isto significa cortar as emissões atuais por 64% (e não entre 11 e 24% como o PS gostaria).

Figura 3

Queria sublinhar aqui que estes valores são linhas vermelhas para um planeta habitável, para uma probabilidade razoável de evitarmos a catástrofe climática irreversível. Ao mesmo tempo, são contas para ficar abaixo de 2ºC e não de 1.5ºC de aquecimento global. Contudo, a partir de 1.5ºC, vários países no Oceano Pacífico desaparecerão. Por outras palavras: reduzir as emissões em 64% em Portugal é cientificamente o mínimo que temos de fazer para garantirmos a existência de (qualquer) civilização humana no fim deste século. A física não faz negociações. Realismo climático implica compreender a realidade física em vez de fazer acrobacias contabilísticas para enganar o planeta.

Voltemos às contas:

O governo quer cortar 8 a 16 Mt das emissões atuais. Num mundo minimamente não-suicida, deveria cortar 44 Mt. O erro aqui é de 70%!

Imaginando: estão a conversar com uma criança e perguntam-lhe a idade; ela responde “20”, quando na verdade tem 6 anos. Ou pagam um engenheiro para construir um edifício de 10 apartamentos, mas ele acaba a obra com 3 apartamentos. O erro do PS em termos de ciência climática é de uma escala semelhante.

Infelizmente, temos de repetir isto muitas vezes: para mantermos o planeta habitável, Portugal para fazer a sua parte tem de cortar as emissões atuais em 64% até 2030. Ponto final.

Mas a situação é pior. O PS não só faz truques com as contas, como também nos dá uma informação muito importante. Sem rodeios, o governo comprometeu-se ontem a não fazer nada sobre as alterações climáticas durante o seu mandato. Isto porque a UE já tem metas estabelecidas sobre a eficiência energética, de acordo com as quais Portugal já tem planos para reduzir o consumo de energia primária em 25% até 2020 (ver PNAEE/metas). Reduzir o consumo de energia em 25% e reduzir as emissões em 11-24% são metas coerentes (já que 70% das emissões vêm do setor energético). O único senão é que para atingir isto, não é preciso fazer absolutamente nada de novo, porque estas políticas já estão bem encaminhadas.

cartaz_empregos_clima_a4 lightDito tudo isto, será possível cortar as emissões de uma forma compatível com a ciência climática? Sim. De acordo com o relatório da campanha Empregos para o Clima, o governo poderia (em vez de nos atirar areia para os olhos) criar 100 mil novos empregos dignos e seguros no setor público (nas áreas de energia, transportes públicos, eficiência energética, floresta e outras) para realmente atingir o que é necessário: cortes de emissões de 60 a 70% em 15 anos.

Este novo relatório vai ser apresentado no dia 19 de outubro (quinta-feira) às 19h00 no CES-Lisboa.


*Os dados mais atuais disponíveis são de 2015. Há dados provisórios para 2016 mas iremos usar aqui os de 2015 (ainda que os de 2016 tornem o nosso argumento abaixo ainda mais forte).

Reunião Estratégica das Lutas pela Justiça Climática na Europa: um pequeno feedback

No fim de semana passado, 45 ativistas de 15 países europeus juntaram-se em Bruxelas numa reunião estratégica convocada pela 350. Falámos sobre “iconic fights” (lutas inspiradoras contra as infraestruturas de combustíveis fósseis, como a luta contra exploração de petróleo e gás em Portugal), campanhas distribuídas (campanhas que mobilizam as pessoas que não vivem nas linhas de frente e quando não houver uma dinâmica internacional como marchas pelo clima – por exemplo a campanha Empregos para o Clima), e sobre como pôr justiça no centro das nossas lutas.IMG_9031

Particularmente interessante foi a luta anti-fracking no Reino Unido, que tem uns 250 grupos locais(!). Recentemente fizeram ações diretas durante um mês inteiro: cada dia um outro grupo bloqueou um sítio diferente onde existe um (/potencial) furo de fratura hidráulica. Em breve teremos alguns ativistas a visitar-nos cá em Portugal e partilhar as suas experiências.

Também esteve presente o Ende Gelände, o coletivo alemão que organiza ações de desobediência civil com milhares de pessoas, em que ocupam uma mina de carvão simbólica. A próxima ação vai ser durante a COP-23 em Bona, e o Climáximo vai estar lá.

Camaradas da Itália apresentaram a luta popular contra o gasoduto TAP (Trans-Adriatic Pipeline, a última parte dum gasoduto entre Azerbaijão e Itália), e ouvimos também sobre o MidCat na Catalunha. As novas infraestruturas de gás natural é um assunto pouco discutido em Portugal, apesar dos planos de construção de 160 km de gasodutos entre Guarda e Bragança.IMG_9033

Finalmente, as conversas sobre justiça fizeram-nos pensar sobre inclusão. Vamos brevemente experimentar algumas ferramentas que podiam potencialmente ajudar a participação política das pessoas que não conseguem ir às nossas reuniões semanais.

Aproveitamos para convidar toda a gente preocupada com as alterações climáticas às nossas reuniões, terças-feiras às 19h30 no CIDAC.

Stop the climate debate! The murderer is the accountant! – Sinan Eden

I have two friends who recently had their second daughter.

Then, there is this new article and its high pitch repercussions that tell me that the best thing I can do to save the climate is to kill that daughter.

I am confused.

§1. The scientific article is titled “The climate mitigation gap: education and government recommendations miss the most effective individual actions“. Here are some of the media stories covering the article:

  • Want To Slow Global Warming? Researchers Say Answer May Lie In Family Planning
  • Klima-Studie: Warum Babys die größten Klima-Killer sind [Klima-Killer???]
  • Ter menos filhos é a acção mais eficaz contra o aquecimento global
  • 20 BMW schädigen das Klima weniger als ein Baby [in effect, saying it’s better to buy 20 BMWs than having a child]
  • This could be the best way to fight climate change, but you might not like it
  • Fewer babies could be better for the environment
  • Have one fewer child if you want to fight climate change, study says

etc. etc.

I have a few more brilliant ideas on this.

§2. First of all, if having one fewer child saves me emissions, then how about I declare that I consider having 5 babies, then demand compensation (carbon credits!) for not having them? Can I buy my way to the so much desired BMW? (Actually, 20×5=100 of them, isn’t it?)

§3. But more importantly, the items in the list are considered to be “personal choice”, but the science of the article actually never refers to this. I mean, if I myself stop using a car, or if I simply utilize any car as part of the barricades during an anti-G20 protest, the result is the same, I still avoid 1-2 tonnes of CO2 emissions, right? They are not exactly my emissions, but if I can cut them, why not? (Fine, I just have to make sure I burn the car of someone poor enough so that s/he couldn’t simply replace it.)

§4. Even more relevant is that these are personal choices after the fact. The so-called “high impact choices” are, and I am quoting, “live car free”, “avoid one transatlantic flight”, “buy green energy”, “buy more efficient car” etc. This means, if you want to make the biggest cuts in emissions, the first step is to be rich enough to have a transatlantic flight you can cancel. Marvellous news.

§5. Finally, the article is about “educational programmes”. So it’s really about what we should tell other people to do. We are supposed to show this graph to people around us:

impact

What does “have one fewer child” mean? This does not have to be strictly limited to talking people out of having a new child. From a strictly scientific perspective, the article is also telling people to kill their own children, or better, kill all children. (Read the German article about babies being climate-killers. Death to the climate-killers! (?) )

And I mean, the article is correct in its own fashion: if there are no humans, then there is no human-caused climate change. Problem solved.

§6. I am confused.

I haven’t met my friends’ second daughter yet. But I have some little “flirts” with the older one (by flirt I mean the 3-year-old saying my name and me saying her name, in loop… not very cute for others present, but we have our own ways.).

Is the newcomer just another consumer? Just another “greenhouse gas emitter”? A climate killer?

Is it scientifically irrelevant that she could be our long-awaited union leader who reinvents the labour movement? Is it invisible to the emissions accountant that she could be inspiring thousands into acts of civil disobedience for climate justice?

(Just wondering, kid, not putting my own responsibilities onto your shoulders, don’t worry…)

§7. We have to stop the accountants. Immediately. The problem is not with the numbers, but with the system. And this is super-easy to see: In any part of the “developed” world, it is technically impossible for any person to remain below the sustainable emissions threshold via individual choices. Something bigger, much bigger, has to change.

If she would get slightly politicized, she could earn huge “negative emissions” in the accountants’ papers by winning a fight for public transport. If the accountants would get slightly politicized, we would find out what the “government recommendations” actually “miss”.

“The most effective individual actions” are when you get involved and take collective action.

Stop the accountants. Let’s talk politics.

***

A calmer and better articulated analysis of the article and its various interpretations can be found here: The best way to reduce your personal carbon emissions: don’t be rich

My “accounting” for activism versus individual solutions, here: Activism: It’s better than dying . I basically calculated that, to remain within the sustainable per capita emission budget, you would have to commit suicide. I also calculated that direct actions are even more effective than that.

 

Colonialismo reloaded – Sinan Eden

Eu sei que ainda sou muito “estrangeiro” na cultura portuguesa e que tinha uma experiência particularmente excecional em Portugal (sempre entre pessoas progressistas, humanistas, com pensamento crítico etc. 🙂 ). Mas tinha pensado que sabia algumas coisas sobre Portugal em geral.

Estive enganado.

*

Ontem estive numa sessão pública organizada pelo Ministério do Mar sobre a Extensão da Plataforma Continental Portuguesa. Aqui podes ver o que está sob controlo do estado português, e a extensão que querem.

extensao

Não vou entrar aos detalhes do projeto. Só queria aproveitar esta experiência para tentar escrever a minha primeira nota originalmente escrita em português. (estes blog-posts não se chamam “artigos”, pois não?)

Olha ao cartaz. “Portugal é mar.”

Demorei quinze minutos na conferência para perceber que a referência não era à sardinha, bacalhau, praias, surf etc. Que pollyanna que estive, foi “corrigido” brutalmente durante duas horas.

A Ministra do Mar, quem esteve a vender o mar nos Estados Unidos, abriu o evento. As seguidas intervenções tinham referências diretas a “Alargar Portugal” e ao “Conhecimento, Conhecimento, Conhecimento”. Pensei: pronto, isto me parece século quinze, mas se calhar não percebo bem o que estão a dizer.

Especialistas em geologia mostraram vídeos e fotos dos animais e plantas bonitas. Não percebi bem, mas disseram várias vezes que não eram biólogos (e não houve intervenção de nenhum biólogo). Mas então porque é que estamos tão entusiasmados sobre um dos maiores chocos naquela área, sem saber nada sobre ele? Em fim, finalmente houve um slide que disse: “Para quê?” As repostas foram claras: recursos vivos (para cosmética e medicina) e recursos não-vivos (combustíveis fósseis, fósforo, diamantes, areias, e vários minerais (como níquel, cobre, ouro, zinco e cobalto)).

Num slide foi dito que estão a aproveitar a costa continental para os combustíveis fósseis, e dois slides depois houve a tal foto famosa do Acordo de Paris, porque o slide seguinte era para dizer que para os carros elétricos a gente precisava de baterias (e por isso de níquel). Genial, né?

[Sidenote: Para reforçar a ideia, o orador mostrou fotos da campanha sefosseeu? em que, pelo que percebi, alguns adolescentes foram perguntados o que levariam com eles se fossem um refugiado. Num truque inesperado (que o público achou hilariante), todos tinham smartphone na sua lista; então precisamos de mais baterias; então precisamos de níquel. O orador ou não entende bem o que é ser refugiado, ou entende muito bem e acha piada estar noutro lado do percurso dum refugiado.]

Finalmente chegou a Ministra novamente, para encerrar o evento. No clímax de “Alargar Portugal” ela falou abertamente sobre “este nova caravela de descoberta” e que “não há perguntas sobre se vamos ou não; vamos, mas quero saber quem vem comigo”. Convidou-nos todos: “Embarquem connosco!”

Deprimente.

Sinceramente, não estive preparado para tantas referências diretas ao colonialismo e não estive preparado para um discurso destes ter aplausos de dezenas pessoas, no espaço público.

*

Nota-se uma semelhança interessante entre o colonialismo e o extractivismo moderno, quando estas pessoas olham às “zonas ainda não descobertas” e vejam só coisas (vivas e não-vivas) para extrair e explorar.

Não embarques com eles.

economic growth