Há Petróleo Limpo? ou a Noruega não é a Noruega – João Camargo

Artigo publicado em sabado.pt a 18 de setembro de 2016

noruegaEste país escandinavo é tomado um pouco por todo o mundo como exemplo de gestão, de Estado Social e de compatibilização da atividade económica com a conservação da natureza. O facto de estar no topo de tantos índices de qualidade de vida, de justiça social e de transparência democrática reforça essa ideia de exemplo. Mas reforço a ideia de que a distância leva a uma visão idílica da Noruega que, somada a práticas sociais e ambientais catastróficas na maior parte dos países produtores de petróleo, construiu um imaginário de que existe exploração de combustíveis fósseis limpa, e que esse fenómeno paradoxal ocorre exactamente nesse reino mágico que é a Noruega.

Há um mês atrás o ministro norueguês do clima e do ambiente, Vidar Helgesen, dizia que a Noruega é uma “nação paradoxo”, porque tem vivido bem do gás e do petróleo, enquanto tem feito mais do que os outros para sabotar a indústria petrolífera. Embora seja de reconhecer a retórica norueguesa sobre a questão das alterações climáticas desde o Relatório Grundtland, este é na verdade um dos poucos países europeus que aumentou as suas emissões de gases com efeito de estufa desde 1990 (e aumentou em mais de 20%). A sua petrolífera principal, a Statoil, é a 40ª entidade responsável por mais emissões de gases com efeito de estufa na História. Hoje, a maior pressão que existe sobre a Noruega, que já assinou e ratificou o Acordo de Paris para limitar as alterações climáticas, é para que pare a prospecção para exploração de combustíveis fósseis no Ártico derretido.

Há um mês atrás o ministro norueguês do clima e do ambiente dizia que a Noruega é uma “nação paradoxo”, porque tem vivido bem do gás e do petróleo, enquanto tem feito mais do que os outros para sabotar a indústria petrolífera

Este paradoxo reveste-se de requintes de injustiça climática: a Noruega, que enriqueceu com a exploração de gás e petróleo e se tornou um dos países com maiores responsabilidades históricas pelo aquecimento do planeta, vê a sua temperatura amenizada (até ao momento) por um lado pelo aquecimento global, pelo outro apela aos países para pararem a exploração de combustíveis fósseis, inclusivamente comprometendo-se a parar de utilizar carros a gasolina ou gasóleo até 2025, enquanto as suas empresas, lideradas pela Statoil (67% propriedade do Estado) querem ir procurar novos recursos fósseis para queimar, abrindo a exploração num Pólo Norte que derrete graças à utilização dos combustíveis fósseis.

Existe até uma parte da comunidade académica norueguesa que defende a ilegalidade da exploração no Ártico, por ser contra vários tratados internacionais, primeiro dos quais o Acordo de Paris mas também contra a Lei do Mar que inclui o Pólo Norte e o Oceano Ártico, e contra os direitos das gerações futuras de terem um ambiente habitável. O crescente degelo do pólo acende a disputa entre a Rússia, o Canadá e a Dinamarca, que pretendem tomar posse dos mares que eram gelo, e a Noruega, apesar da sua magnífica retórica, também avança pelos despojos minerais. Um estudo na revista Nature acerca da possibilidade de se manter a subida da temperatura abaixo dos 2ºC refere que um terço de todas as reservas de petróleo, metade das reservas de gás e 80% das reservas de carvão devem ser mantidas inexploradas, o que significa que a exploração de gás e petróleo no Ártico e aumento da exploração de gás e petróleo através de métodos não convencionais (fracking, Deep Offshore) tornarão impossível manter a temperatura abaixo dos 2ºC. Deixando para trás a hipocrisia norueguesa acerca das alterações climáticas, resta a questão: E o petróleo e gás limpo de que nos falam quando falam do reino mágico da Noruega? Há?

Há 60 derrames petrolíferos por mês no Mar do Norte, o que provoca poluição crónica e tem impactos tão graves na biodiversidade como os grandes acidentes nas plataformas e nos petroleiros

A Noruega explora petróleo nas águas muito pouco profundas do Mar do Norte há mais de 40 anos. Nesse período, o Mar do Norte sofreu profundamente com a exploração, quer na Plataforma Continental Norueguesa, quer no lado da Grã-Bretanha. A actividade petrolífera tem impacto no mar, no fundo oceânico e em terra, através de emissões, ruído das sondagens sísmicas, destruição do fundo oceânico e derrames. Há 60 derrames petrolíferos por mês no Mar do Norte, o que provoca poluição crónica e tem impactos tão graves na biodiversidade como os grandes acidentes nas plataformas e nos petroleiros. Os derrames quotidianos provocam impactos cumulativos nas cadeias tróficas e introduzem factores de toxicidade e contaminação nas mesmas. O ruído constante tem impacto directo na reprodução dos peixes, no desequilíbrio do sexos, na sobrevivência dos viveiros e das maternidades.

Como o Mar do Norte é uma massa de água muito fria, reduz-se a diluição do petróleo no mar, o que aumenta os seus efeitos nocivos. Além dos derrames, existem ainda as descargas operacionais: em 2005 as petrolíferas reinjetavam 60 mil toneladas de resíduos nos furos de prospecção, valor que foi reduzido para 22 mil toneladas em 2015. Uma importante parte dos resíduos reinjetados nos poços antigos solta-se frequentemente e contamina novamente o mar. A redução de despejo de resíduos fez-se pelo envio para terra dos resíduos e pela reinjeção dos resíduos nos poços vazios. Ora, destes resíduos perigosos enviados para terra, alguns foram exportados ilegalmente para países em desenvolvimento. Existem ainda mais descargas feitas directamente no mar, em média 2000 toneladas por ano. Nos 65 poços explorados pela Statoil no Mar do Norte, no Mar da Noruega e no Mar de Barents, ocorrem 100 a 150 incidentes com perda de petróleo por ano.

Os pássaros são afetados pelo petróleo que dá à superfície, havendo anos em que a quantidade de pássaros contaminados é elevadíssima, inclusivamente em áreas protegidas como Jaerstrendene. Muitas espécies de peixes que eram relativamente comuns no Mar do Norte desapareceram ou existem hoje em quantidades muito menores: o esturjão, o halibute, a enguia europeia, a raia-comum europeia ou o cação galhudo são exemplos de espécies que já abundaram e hoje estão criticamente ameaçadas segundo a Lista Vermelha da IUCN (União Internacional para a Conservação da Natureza) e a FISHBASE. Mesmo se ignorarmos a abundância de espécies, a diminuição do tamanho do peixe apanhado no Mar do Norte coincidiu com a expansão da actividade petrolífera na Noruega: no pico da produção perto de 2000, só cerca de 5% do peixe pescado tinha mais de 40 cm, hoje voltou para perto dos 20%. É certo que este declínio e estes impactos não têm apenas origem na exploração petrolífera, nos seus acidentes e nas suas descargas operacionais: acresce a sobre-pesca, o comércio marítimo, descargas a partir de terra e o aquecimento do mar devido às alterações climáticas para completar as ameaças que se confirmam permanentemente sobre esta massa de água.piper_alpha_oil_rig_fire

Além dos pequenos acidentes, existiram ao longo da história da exploração de gás e petróleo na Noruega e no Mar do Norte grandes derrames e acidentes mortais: em 1977 na Ekofisk Bravo explorada pela Phillips Petroleum derramaram-se de 202 mil barris no mar, em 1980, na mesma Ekofisk capotou uma plataforma matando 123 trabalhadores, em 1988 na Piper Alpha houve três fugas massivas de gás e 165 mortes, em 1993 o MV Braer encalhou derramando 86 mil toneladas de petróleo enquanto era destruído por ventos fortes e mar agitado, em 2001 um reservatório em terra na Noruega, em Brevik, derramou 870 mil litros de petróleo, contaminando terra e mar, em 2004 o navio Rocknes afunda frente a Bergen, morrendo 18 tripulantes e derramando-se uma quantidade indeterminada de resíduos químicos e petróleo, em 2007 no campo petrolífero de Statfjord houve um derrame de 31900 barris e em 2011 a Gannett Alpha, da Shell, derramou 1300 barris. No Mar do Norte, de 4123 derrames de petróleo ocorridos entre 2000 e 2012, só houve 7 multas aplicadas, e todas a pequenos acidentes.

Quando lemos os parágrafos anteriores, devemos ter em conta que o Mar do Norte e especialmente o Mar da Noruega é uma das regiões petrolíferas mais controladas, com mais investimento especializado e mais controlo por parte de autoridades governamentais. Não chega. Não existe exploração de gás e petróleo limpa – não existe na Noruega, não existe na Nigéria, não existe no Canadá, não existe em Angola. Pode ser menos louca a poluição, mas não pode ser eliminada. Além disso, com mais ou menos controlo, as emissões de gases com efeito de estufa e as consequentes alterações climáticas, são garantidas, quer o petróleo venha da Ásia, quer venha da África ou do Mar do Norte. E se o controlo apertado neste último caso levou a melhor práticas na Noruega, quando a Statoil se encontrou em outros portos, rapidamente adquiriu os vícios da restante indústria petrolífera.

A Statoil expandiu a sua operação para a Austrália, a Argélia, Angola, Azerbeijão, Brasil, Canadá, Líbia, Nigéria, Rússia, Estados Unidos e Venezuela. Em 2002/2003 a empresa foi condenada por corrupção na Noruega e nos Estados Unidos, por influenciar decisores no Irão para conseguir contratos de concessão. Esteve ainda envolvida, através de operações prévias à fusão com a petrolífera da Norsk Hydro, na utilização de consultores para “facilitar” a obtenção de concessões na Líbia, o que levou à demissão do seu presidente. Neste momento está a ser investigada a entrega de 530 milhões de dólares por parte da Statoil à Sonangol quando assinou uma nova concessão e de mais 100 milhões de dólares para “contribuições sociais”. Os parceiros da Statoil na concessão do campo Kizomba A em Angola são a Somoil e a China Sonangol, de proprietários desconhecidos e sediadas em paraísos fiscais, algo que tem levantado ainda mais suspeitas. Mais recentemente a Statoil envolveu-se no negócio das areias betuminosas no Canadá, o que levantou muita oposição, por razões éticas e pelo violento impacto ambiental da técnica de extracção. As nações Maori da Nova Zelândia por outro lado, levaram os seus protestos até à Noruega, exigindo o fim da prospeção para exploração em Ultra Deep Offshore (exploração a milhares de metros de profundidade) na bacia de Reinga, feita pela Statoil.

A exploração de combustíveis fósseis já é hoje um fóssil vivo. É como um comboio pesado que está sem energia mas que continua a avançar por causa da inércia do sistema

A exploração de combustíveis fósseis já é hoje um fóssil vivo. É como um comboio pesado que está sem energia mas que continua a avançar por causa da inércia do sistema. Sabemos o que já está a ocorrer ao planeta por causa da sede de energia barata sob a forma de fósseis. Apesar disso há quem trave importantes batalhas de desinformação para tentar explicar-nos que é preciso continuar a queimar carvão, petróleo e gás para haver empregos, para haver riqueza, para haver progresso. São as forças da inércia, que por ignorância ou interesse se socorrem de mitos como a Noruega para procurar provar que a exploração de petróleo e gás em Portugal é um caminho para o futuro. Mas apesar de pelo menos reconhecer que as alterações climáticas são o maior problema com que a Humanidade já se deparou, a Noruega que existe é tão parte do problema como estas forças de inércia. Não há petróleo limpo. E assim, tanto Portugal não é a Noruega como a própria Noruega não é o mito que à volta dela se construiu.

Petróleo: Portugal não é a Noruega -João Camargo

[Artigo publicado em sabado.pt no dia 10 de setembro de 2016]

No debate sobre a exploração de petróleo e gás e petróleo tem surgido com frequência a referência à Noruega como exemplo de país em que é compatibilizada a exploração de petróleo e gás com a preservação de recursos naturais e o desenvolvimento. A longínqua referência beneficia da distância para se omitirem as características próprias daquele país e daquela região, que a distinguem de outras regiões. A distância serve por outro lado para se criar uma mistificação em relação à própria Noruega: a sua história de produção petrolífera mostra que não apenas Portugal não é nem pode tornar-se uma Noruega, como que a própria Noruega não é a Noruega vendida como país sem contradições, conflitos ou problemas ambientais.

Comecemos: em 1969 a Phillips Petroleum descobriu petróleo na plataforma continental da Noruega. Desde 1962 que a Phillips, petrolífera americana que viria a dar origem à ConocoPhillips, fazia prospeção sem perfuração nesta plataforma continental, pelo que pagava na altura ao governo norueguês 160 mil dólares por mês. O governo já era o proprietário de todos os recursos naturais na plataforma continental.plataforma_petroleo_noruega

Em 1971 iniciou-se a exploração comercial do campo de petróleo Ekofisk pela Phillips. Um ano mais tarde o governo norueguês fundou a Statoil, empresa pública de petróleo, para poder dominar a tecnologia e controlar a exploração de petróleo nos seus mares. A partir de então, todos os contratos de exploração de petróleo tinham uma cláusula de 50% de receitas que ficariam para o Estado. Mais tarde esta regra mudaria, ficando à disposição do parlamento norueguês subir ou descer o nível de propriedade do Estado nas concessões petrolíferas. No início da exploração do petróleo no Mar do Norte norueguês, a exploração era principalmente feita por empresas privadas, mas o Estado ocupou desde o início uma posição muito relevante, decidindo um ritmo de expansão lento e tornando a Statoil no maior operador dos mares noruegueses.

Os principais campos de petróleo abertos nos anos seguintes foram Statfjord (1979), Gullfaks (1986), Oseberg (1988) e Troll (1996). Em 1985 o governo norueguês decidiu dividir a operação do petróleo e gás do Estado em duas: a Statoil ficava com a exploração comercial, enquanto o SDFI passava a gerir o interesse financeiro direto do Estado. Em 2001 a Statoil foi parcialmente privatizada, com o Estado a manter primeiro 81% das ações e mais tarde 70,9%. Em 2007 a Statoil fundiu-se com a Norsk Hydro, outra petrolífera norueguesa. Hoje, o Estado norueguês é proprietário de 67% da empresa.

Ao longo de mais de 40 anos, o Estado norueguês conseguiu obter do petróleo e do gás receitas na ordem dos 1.300 biliões (1.300.000.000.000) de euros. Em 1990 foi estabelecido um fundo soberano, o Fundo do Petróleo, que em 1996 passou a chamar-se Fundo de Pensões do Governo. Este fundo tem em 2016 um valor estimado de 831 biliões de euros, obtido através de impostos sobre as empresas petrolíferas, sobre os pagamentos das licenças de exploração de hidrocarbonetos, com a verba directamente arrecada pelo SDFI e com os dividendos da Statoil. O seu objetivo é investir estes excedentes do sector petrolífero para contrariar os efeitos do declínio da produção petrolífera e para amenizar os efeitos da flutuação dos preços do petróleo, servindo também de salvaguarda das reformas dos 5 milhões e 84 mil noruegueses. A partir de 2014, o Fundo deixou de investir em combustíveis fósseis. O Fundo teve alguma importância na solidificação de um Estado Social muito completo a nível de Educação, Saúde, Segurança Social, Habitação, Transportes e outras facilidades para os cidadãos e pessoas que vivem no país. No entanto, não foi a descoberta de petróleo que levou à criação do Estado-Providência na Noruega: já existia antes e continua a ser subsidiado pelos impostos da população do país.

A Noruega seria mais pobre se não fosse o petróleo e o gás do Mar do Norte. Mas concretamente isso significa apenas que em vez de riquíssima (4º país com maior PIB per capita em 2015, segundo o FMI), seria só muito rica

A Noruega seria mais pobre se não fosse o petróleo e o gás do Mar do Norte. Mas concretamente isso significa apenas que em vez de riquíssima (4º país com maior PIB per capita em 2015, segundo o FMI), seria só muito rica. Em 1970, antes do início da exploração de petróleo, o PIB per capita do país era o 18º maior do mundo e posicionava-se em linha com o dos seus vizinhos (um pouco abaixo da Suécia, próximo da Dinamarca, acima da Islândia e da Finlândia). Hoje, está acima dos seus vizinhos que, apesar de não explorarem petróleo ou gás, têm um nível de vida e estados sociais acima de comparação com o resto do planeta: a Dinamarca tem o 7º maior PIB per capita do mundo, a Islândia o 10º, a Suécia, o 11º e a Finlândia, o 17º. A taxa de desemprego na Noruega antes do início da exploração de gás e petróleo era de 2,2% (entre 1960 e 1964) e 1,7% (1965-1972). Desde então subiu ligeiramente, mas nunca ultrapassou o pico de 4,8% em 2003 e 2006, pelo que fica difícil argumentar acerca da criação de emprego.

Em 2008, 25% do PIB da Noruega provinha da exploração de combustíveis fósseis mas em 2015 este valor já estava abaixo dos 15%. O pico de produção de petróleo na Noruega ocorreu em 2001, quando atingiu uma produção diária de mais 3,2 milhões de barris. Em Junho passado, a produção foi de 1,44 milhões de barris, menos de metade da produção de pico.

Em 2008, 25% do PIB da Noruega provinha da exploração de combustíveis fósseis mas em 2015 este valor já estava abaixo dos 15%

A atividade petrolífera gerou 43,5 mil milhões de euros para o Estado Norueguês em 2012, sendo que destes 25,2 mil milhões provieram de impostos diretos e de impostos ambientais, e o restante dos dividendos da Statoil e da verba arrecadada pelo SDFI. Na Noruega, os impostos diretos sobre a produção de petróleo são de 78% (27% sobre produção e 51% de imposto especial) e os impostos sobre os dividendos das empresas são de 25%. Pela área ocupada nas concessões petrolíferas, as empresas pagam 3687€/km2 no primeiro ano, 7374€/km2 no segundo ano e 14857€/km2 nos anos seguintes. Existe ainda uma taxa sobre as emissões de carbono desde 1991: a gasolina paga 54,72€/t de dióxido de carbono emitida, enquanto o petróleo do Mar do Norte paga 54,24€/t de dióxido de carbono emitida.statoil_paul_sableman

A Noruega não pertence à União Europeia, tendo havido dois referendos sobre a adesão à comunidade: o “Não” ganhou em 1972 com 53,5% e em 1994 com 52,2%. Além disso, a Noruega possui a sua própria moeda, a Coroa Norueguesa (NOK) e um Banco Central nacional. A 22 de junho deste ano ratificou o Acordo de Paris sobre a redução das emissões de gases com efeito de estufa.

Portugal não é a Noruega a vários níveis: económico, social, político, cultural

Ora, Portugal não é a Noruega a vários níveis: económico, social, político, cultural. Em 1970 o PIB per capita de Portugal era o 56º a nível mundial, hoje é o 36º. Portugal tem o dobro da população da Noruega e uma área de território quatro vezes inferior. O Estado Social em Portugal, apesar de bastante relevante, não tem comparação com a cobertura total do Estado Social na Noruega em que por exemplo todo o ensino do pré-escolar à pós-graduação é 100% universal e gratuito. Segundo o Índice de Perceção de Corrupção de 2015, a Noruega é o 5º país menos corrupto do mundo, enquanto Portugal aparece no 28º lugar. No Índice de Democracia, da Economist Intelligence Unit, a Noruega é o 1º país do mundo e Portugal é o 33º. Segundo o Índice de Desenvolvimento Humano, a Noruega é o melhor país do mundo em desenvolvimento humano, enquanto Portugal é o 43º.

Os contratos de exploração de petróleo e gás em Portugal são pouco menos do que cómicos quando comparados com os noruegueses

Portugal pertence à União Europeia e, como se sabe, não tem moeda própria. Isso significa que a sua capacidade institucional de ter qualquer espécie de controlo sobre a exploração de petróleo por privados estaria sempre muitíssimo limitada pela regras de concorrência da UE. Portugal não tem exploração de petróleo e gás ou reservas relevantes conhecidas publicamente. Os contratos de exploração de petróleo e gás em Portugal são pouco menos do que cómicos quando comparados com os noruegueses: onde a Noruega cobra anualmente 3647€/km2 de área, Portugal cobra 15€/km2, onde na Noruega o Estado cobra diretamente 78% do petróleo, Portugal cobraria no máximo 8% do petróleo descoberto (mas geralmente menos). Os contratos em Portugal declaram que toda a responsabilidade civil em caso de acidentes é das concessionárias privadas, assim como que a “Concessionária assume total responsabilidade por perdas e danos e demais riscos associados à atividade, não existindo qualquer responsabilidade do Estado”. Onde o Estado é forte na Noruega em Portugal é fraco desde o momento da assinatura do contrato, a nível económico, a nível ambiental, a nível de responsabilidade. Por isso estamos “em segurança” quando sabemos que pelos menos duas das concessionárias em Portugal foram formadas apenas para ganhar o concurso, a Portfuel e a Australis, e que o ganharam por adjudicação direta. Ficamos ainda mais seguros por saber que essas concessões foram entregues por um governo em gestão, a poucos dias das eleições.

Para blindar os contratos das petrolíferas em Portugal, há uma cláusula de Estabilidade dos Contratos que garante às empresas que alterações legislativas posteriores não podem afetar os direitos e garantias iniciais dos privados, de quando os contratos foram assinados. Estas cláusulas só existem em países com risco de guerra e desestabilização política… e em Portugal. Na Noruega, o Estado impôs ficar com 50% das receitas de todas as concessões. Com sublime requinte, em Portugal não serão os tribunais a resolver os conflitos entre o Estado e os privados na exploração de petróleo, mas convenções arbitrais, em que juristas ou advogados são escolhidos pelas partes para decidir as questões fora do escrutínio público.

Além de tudo isto, o Estado português não possui quadros técnicos formados em petróleo e gás, nem uma petrolífera pública. A privatização da GALP não se compara à privatização da Statoil e por isso mesmo o governo português tem 7% da GALP enquanto o norueguês tem 67% da Statoil.

Portugal tem desde o início de 2015 uma taxa de carbono de valor 4,86€/t de dióxido de carbono emitido. Na Noruega essa taxa é de 54,72€/t e existe desde 1991. O seu impacto no PIB do país é de -4,2%. Se o preço dos combustíveis em Portugal é muito elevado: 1,38€/l na gasolina e 1,15€/l no gasóleo, na Noruega esse preço é de 1,58€/l na gasolina e 1,42€/l no gasóleo.

Não faz sentido fazer qualquer comparação entre Portugal e a Noruega no que diz respeito à exploração de petróleo, porque passaram mais de 40 anos desde o início da exploração de petróleo na Noruega e desde então houve profundas mudanças na economia global, além da dimensão avassaladora das alterações climáticas causadas pela queima de combustíveis fósseis

Não faz sentido fazer qualquer comparação entre Portugal e a Noruega no que diz respeito à exploração de petróleo, porque passaram mais de 40 anos desde o início da exploração de petróleo na Noruega e desde então houve profundas mudanças na economia global, além da dimensão avassaladora das alterações climáticas causadas pela queima de combustíveis fósseis. O Estado norueguês conseguiu, no período de melhor crescimento económico registado no ocidente (os trinta anos dourados do pós-2ª Guerra Mundial), proteger o interesse público económico na exploração de combustíveis fósseis e Portugal, se observarmos a legislação petrolífera (DL 109/94) e os contratos de exploração de petróleo, destruiu desde o início qualquer salvaguarda económica do país para a eventualidade de haver combustíveis fósseis. Portugal não tem o nível de taxação que a Noruega tem, e é de duvidar que venha a ter.

Acresce que a mistificação acerca da Noruega requer alguma retificação: se formos olhar com minúcia para o país, acabaremos por concluir que a Noruega não é a Noruega, ou pelo menos não a Noruega que os defensores da exploração de petróleo e gás descrevem nos seus elogios à virtude dos hidrocarbonetos: o pesado custo ambiental da exploração de petróleo no Mar do Norte, a corrupção em outros países, o sonho da destruição do Ártico, a dupla-face nas alterações climáticas. Mas isso fica para mais tarde.

Se se quer comparar uma possível exploração de gás e petróleo com a Noruega, porque não comparar com outros produtores, até mais relevantes em termos de produção e mais próximos historicamente?

Se se quer comparar uma possível exploração de gás e petróleo com a Noruega, porque não comparar com outros produtores, até mais relevantes em termos de produção e mais próximos historicamente? Portugal teve em 2015 o 36º maior PIB per capita do mundo. Apesar da Arábia Saudita ser o 2º produtor mundial de petróleo, está apenas dois lugares à frente de Portugal. A Rússia, 3º maior produtor mundial de petróleo, está em 65º lugar em termos de PIB per capita e o Brasil, 9º maior produtor mundial, está em 70º. O que correu mal, se tinham petróleo e gás? A Nigéria, 13º maior produtor mundial de petróleo, está em 126º lugar em PIB per capita, enquanto Angola, 16º maior produtor mundial de petróleo, está em 102º lugar. Então porque falam da Noruega, que já antes de ter petróleo e gás era um dos países mais ricos do mundo e que conseguiu nesse período apenas consolidar uma tendência regional incontestável? Comparar Portugal com a Noruega como forma de defender a exploração de combustíveis fósseis no país é apenas um exercício de grande esforço imaginativo que cai à primeira curva.