Comunicado: Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050: uma mão-cheia de nada

A apresentação feita ontem pelo primeiro-Ministro e pelo Ministro do Ambiente de um roteiro para a neutralidade carbónica 2050 revelou-se um total vazio: a proposta do governo não passa de um exercício retórico e de contabilidade criativa, relegando para um plano totalmente acessório os necessários cortes de emissões de gases com efeito de estufa e colocando Portugal numa perigosa rota para o caos climático.

A proclamação da “ambição” de metas anunciada por António Costa, de reduzir as emissões de gases com efeito de estufa entre 30 e 40% em relação a 2005 não passa de contabilidade criativa.

Segundo a APA, entidade responsável pela contabilização das emissões de GEE para Portugal, em 2005 foram emitidas 86,3 Mt CO2eq, em 2015 68,9 e em 2016 (dados provisórios) 66,5 Mt. Ora para 2030, uma redução de 30 a 40%, ficaríamos nas 52 a 60 Mt, o que equivaleria a uma redução de 12 a 25% (8 a 17 Mt) em relação a 2015 ou 9 a 22% (6 a 15 Mt) em relação a 2016.

Para cumprir o Acordo de Paris e almejar ao aumento máximo de temperatura de 2ºC até 2100, Portugal deve atingir próximo das 24 milhões de toneladas cúbicas em 2030, o que requereria um corte não de 8-17 milhões de toneladas cúbicas, mas sim de 44 milhões de toneladas cúbicas. Para cumprir o Acordo de Paris, com os números anunciados ontem pelo primeiro-Ministro o governo falham com um erro de 75%!

Em termos de medidas concretas, o governo anunciou um mix de abstrações que começa na promoção da eficiência de recursos e termina na aposta na mobilidade elétrica, passando pela revisão da fiscalidade sobre os combustíveis. Em termos de ações concretas nem sequer se anunciou que objetivos haveria num plano nacional de eficiência energética. 

Ficam várias perguntas por responder: 

  • Como pretende o governo atingir a “neutralidade” quando continuam em vigor 9 contratos de concessão para exploração de petróleo e gás, e uma legislação petrolífera que abre a porta a ainda mais concessões e a um aumento das emissões?
  • Como pretende o governo substituir os transportes individuais a gasolina e gasóleo, assim como o transportes de cargas rodoviários, que se cifram nos 6 milhões e emitem 16 milhões de metros cúbicos de CO2-eq (que contribuem ainda para 6600 mortes prematuras por ano devido à poluição que produzem) sem uma aposta massiva em transportes públicos?
  • Irá o governo encerrar as centrais termo-elétricas de Sines e do Pego, responsáveis por perto de 20% das emissões nacionais (15% e 5% aproximadamente)?
  • Irá o governo permitir a instalação de mais infraestruturas de gás no país?

Acresce que a procura pela “neutralidade carbónica” ignora que aquele que é considerado o maior sumidouro de carbono, a floresta, está a perder progressivamente a sua capacidade de retirar carbono da atmosfera, quer por causa dos incêndios massivos que ocorrem anualmente (com 2017 a colocar-se no topo após 2003 e 2005) e que a tornam num emissor de gases com efeito de estufa, quer por causa da perda inequívoca de área florestal (desapareceram 10 mil hectares de floresta / ano nos últimos 25 anos).

O realismo necessário para conseguir manter o aumento da temperatura abaixo dos 2ºC não pode esgotar-se na repetição de formulações vazias e contas especulativas e erradas: o Climáximo participa, em conjunto com 8 organizações sociais (sindicatos, movimentos, associações), na campanha Empregos para o Clima, cujo objetivo é cortar as emissões de gases com efeito de estufa em 60-70% nos próximos 15 anos com a criação líquida de 100 mil postos de emprego. O primeiro relatório da campanha será divulgado no próximo dia 19 de Outubro às 19h no CES-Lisboa. O actual programa do governo para as alterações climáticas esconde a inação numa mão-cheia de nada quando é urgente agir decididamente. Convidamos os membros do governo a estarem presentes na sessão.

Climáximo
12 de outubro de 2017